Não tente oferecer uma boa “experiência do colaborador” só no dia do trabalho
01/05/2022
Nesta data histórica que é o Dia do Trabalho, ou melhor, Dia dos Trabalhadores e Trabalhadoras, conseguimos reunir nossos dois assuntos preferidos: trabalho e pessoas (o que tem diretamente a ver com a experiência do colaborador). Neste artigo da Talent Academy (spin off do Grupo MBA Empresarial), você confere:
- 1) Como surgiu o dia do trabalho? – um breve panorama histórico da data no Brasil e no mundo
- 2) O trabalho nos dias atuais – Jeffrey Pfeffer, professor de Stanford, fala sobre o importante papel do RH como educador de líderes, os possíveis efeitos negativos do trabalho na saúde e outros
- 3) Trabalho com propósito – a responsabilidade que as lideranças das empresas precisam ter e sugestões de como reconhecer, apreciar e melhorar a experiência dos colaboradores independente de hierarquias
- E ainda um bônus: Dicas de filmes sobre trabalho!
Vamos nessa?
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1) Como surgiu o dia do trabalho?
O Dia do Trabalho é uma data comemorativa internacional, marcando as lutas por direitos trabalhistas desde o final do século 19, a segunda fase da Revolução Industrial. Celebrada anualmente no 1° de maio em quase todos os países do mundo, é considerada feriado na maior parte deles, como aqui no Brasil.
A homenagem remete ao dia 1 de maio de 1886, quando uma grande paralisação foi iniciada por trabalhadores na cidade de Chicago (EUA) com o objetivo de reivindicar melhores condições de trabalho, principalmente a redução da jornada diária, que chegava a 17 horas.
Assim como em solo britânico, as fábricas norte-americanas eram locais insalubres e a situação era precária, o que provocou um grande descontentamento na classe trabalhadora. Seu lema nas ruas foi “Oito horas por dia sem cortes no pagamento” (“Eight-hour day with no cut in pay“).
Essa manifestação serviria de inspiração para muitas outras que se seguiriam. O movimento se espalhou pelo mundo e, no ano seguinte, trabalhadores de países europeus também decidiram parar por protesto.
Em 1889, organizações sindicais reunidas em Paris decidiram que a data se tornaria uma homenagem aos trabalhadores que haviam feito greve três anos antes.
As lutas não foram em vão: trabalhadores de todo o mundo conquistaram uma série de direitos e, em alguns países, tais direitos ganharam códigos de trabalho e também estão sancionados por Constituições.
Em 1890, por exemplo, a luta dos trabalhadores norte-americanos fez com que o Congresso aprovasse a redução da jornada de trabalho para 8 horas diárias. Mesmo em países em que o 1° de maio não é feriado oficial, são organizados nesse dia atos em defesa dos trabalhadores.
E aqui no Brasil?
As comemorações de 1º de maio no Brasil remontam à década de 1890, período contemporâneo à Primeira República e ao início da industrialização no país. Em 1917 aconteceu a Greve Geral em São Paulo, tornando-se um dos primeiros marcos da organização trabalhista no Brasil. A crise continuou nos próximos anos e em 1924 o presidente Artur Bernardes declarou 1º de maio como feriado nacional.
Durante a Era Vargas, o governo procurou ressignificar a data: de um dia de protestos, para uma ocasião que celebrasse os direitos trabalhistas, medida que ia de encontro com a política populista deste governo.
O dia foi, então, utilizado para o lançamento de leis importantes para os trabalhadores, como o estabelecimento do salário mínimo, em 1940, e a CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas), em 1943.
2) O trabalho nos dias atuais
Para falar da relação das pessoas com o trabalho nos dias de hoje, escolhemos Jeffrey Pfeffer, professor da Escola de Negócios da Universidade de Stanford, um dos maiores especialistas em comportamento organizacional e um dos mais influentes pensadores da área na atualidade.
Segundo ele, o fato de direitos importantes terem sido conquistados não significa que as condições de trabalho hoje sejam ideais, ao contrário: devemos mais do que nunca seguir estudando, discutindo, refletindo a respeito do assunto e, acima de tudo, lutando para encontrar soluções efetivas para melhorar cada vez mais a relação das pessoas com o trabalho e com o propósito.
Entrevistado pelo Valor Econômico em passagem pelo Brasil, Pfeffer falou sobre alguns problemas no mundo corporativo atual, como longas horas de jornada, e crescentes tendências para depressão, estresse e doenças crônicas causadas ou relacionadas ao trabalho.
Ele ressalta a necessidade da criação de políticas públicas a respeito desse tema, e que tanto governos quanto empresas são responsáveis pelas melhorias que devem ser feitas na questão do trabalho. O pensador também discute a gig economy e como a flexibilidade não é necessariamente sinônimo de benefícios:
- Estar inserido nessa economia alternativa muitas vezes se traduz em trabalhar muito, ganhar pouco e viver em incerteza constante.
- Aplicando isso ao cenário atual da pandemia, trabalhadores desse meio facilitam muito a vida cotidiana das pessoas, mas…
- …Muitos continuam trabalhando em vulnerabilidade, precisando se expor e arriscando sua saúde para sustentarem a si e suas famílias.
Time saudável, empresa saudável
Ao falar sobre a importância da saúde das pessoas, Pfeffer aponta que há um grande benefício para uma empresa em ter uma força de trabalho saudável: trabalhadores saudáveis são mais produtivos e perdem menos trabalho por não estarem doentes, o que evita que eles se demitam e reduz a rotatividade.
Ser workaholic, por exemplo, pode acabar sendo realmente tóxico: ele exemplifica com casos comuns de pessoas que usam substâncias diversas, legais e ilegais, a fim de se manterem “ligadas” para realizar seu trabalho. Os efeitos negativos do trabalho geralmente não são imediatos, mas se acumulam com o tempo e podem ser extremamente prejudiciais.
O teórico também critica as empresas que não se sentem responsáveis por seus times e talvez somente por seus acionistas, fruto de uma sociedade automatizada. Pontua que as empresas deveriam se considerar comunidades, tratando seus colaboradores como uma família e cultivando relacionamentos de longo prazo.
Pfeffer afirma que estamos num caminho economicamente insustentável, a menos que consertemos o trabalho em nossa sociedade. Os custos em saúde, que aumentam progressivamente, são outro fator que piora ainda mais o cenário.
Promover a prevenção, para o acadêmico norte-americano, é de extrema importância. Além disso, independente do que você garanta às pessoas [de material], o que elas realmente querem é trabalhar com autonomia, um(a) bom chefe que as respeite e a oportunidade de equilibrar suas várias obrigações – e isso com algum senso de segurança, conclui Pfeffer.
“O papel do RH é educar além do trabalho”
Na entrevista, Pfeffer também fala sobre o setor de Recursos Humanos. Conta que, ao menos nos EUA, o RH geralmente acaba focando em corte de custos e em fazer o que o(a) CEO manda. Ele acredita que o RH deveria cumprir o papel fundamental de educar os líderes sobre como tornar as organizações bem sucedidas e produtivas para atrair, reter e motivar as pessoas.
O RH deve trazer sua própria perspectiva, da mesma forma que o Financeiro e o Marketing, por exemplo, mostram seus pontos de vista específicos de cada área – e, mais importante, deve-se defendê-los.
Pfeffer ainda indica que, para o RH se tornar mais significativo para o(a) CEO, precisa investir tempo em aprender e prestar atenção às evidências, dados e pesquisas, além de desenvolver mais habilidades políticas, afinal, para ter sucesso, não basta só fazer um bom trabalho: é necessário saber jogar bem a política organizacional, afirma.
Efeitos negativos do trabalho
Em outro vídeo com Jeffrey Pfeffer, este para o canal da Universidade de Stanford, o professor ressalta como o combo horas excessivas + muito estresse relacionados ao trabalho está nos matando.
É fato que nossa mente afeta nosso corpo – e vice-versa, afinal, são duas coisas indissociáveis –, e estados e atitudes mentais como o estresse impactam enormemente o fisiológico, baseado no que a literatura epidemiológica estuda e mostra há muito tempo. Tudo isso impacta verdadeira e profundamente o bem-estar das pessoas e influencia na hora de selecionar, permanecer ou deixar um trabalho.
Como efeitos do estresse e exposição à outras condições de trabalho nocivas, são registradas, nos EUA, cerca de 120.000 mortes anuais relacionadas ao trabalho, e um gasto de 200 bilhões de dólares com cuidados em saúde que poderiam ser economizados caso houvesse prevenção e um ambiente de trabalho saudável. A falta de um plano de saúde, segundo Pfeffer, é um dos piores estressores.
Mas há esperança: da mesma forma que nossa sociedade conseguiu fazer com que não fumassem mais no ambiente de trabalho, visando um bem-estar coletivo, deveria ser necessária uma verdadeira intervenção em como o trabalho funciona, hoje com uma “poluição social”.
As empresas precisam ter responsabilidade social, e o dever de promover e garantir segurança financeira, saúde, justiça e uma verdadeira flexibilidade para seus trabalhadores. É importante que as empresas entendam o custo de suas ações e que aprendam com isso para tomar decisões melhores e economicamente mais racionais.
3) Trabalho com propósito
Otrabalho tem em sua origem a potência coletiva de liberdade e transformação, mas ao longo da história acabou sendo alterado de modo a ser exploratório, em muitos casos.
O que precisamos fazer é mudar e melhorar nossa relação com o trabalho, criando culturas com propósito claras. Para que isso aconteça, como o professor Pfeffer já apontou, governos e empresas precisam fazer a sua parte, escutando e buscando compreender os colaboradores para fazer do ambiente de trabalho um lugar melhor para todos, independente do setor, cargo, idade ou qualquer outro fator.
As pessoas estão cada vez mais buscando trabalho em organizações com um propósito claro e um impacto positivo na sociedade. Na prática, não é difícil diferenciar uma empresa com propósito genuíno e uma que o tenha da boca pra fora.
É preciso também desconstruir a ideia de que, para encontrar um trabalho com propósito, a única opção é trabalhar em uma ONG ou “abraçar árvores”. Empresas também podem e (devem) transformar a sociedade, e não há como transformá-la de fato sem melhorar continuamente a experiência dos colaboradores.
Para as empresas, a única maneira de preencher uma lacuna de propósito é incorporar sua reflexão e ação no coração dos seus negócios e da sua organização. Conecte o propósito ao “superpoder” da empresa, ao que torna ela única.
A nível individual, porém, é importante considerar reflexões como a do escritor e LinkedIn Top Voice Matheus de Souza: “Você certamente já ouviu ou leu a frase ‘escolha um trabalho que você ame e não terás que trabalhar um único dia em sua vida’ [atribuída a Confúcio]. Talvez isso fizesse sentido há décadas ou centenas de anos. Hoje não mais.” Isto é, no final das contas, trabalho é trabalho – e é preciso ter cuidado para não romantizá-lo.
Mesmo aqueles que amam seus trabalhos estão esperando o final de semana assim como quem está frustrado no trabalho – como para passar tempo de qualidade com quem amamos. Para o escritor, não ter um propósito não é o fim do mundo: isso não significa que não exista algo maior, e o importante é continuar em movimento.
Aprecie o trabalho de seus colaboradores
Não apenas no Dia do Trabalho, é muito importante, mesmo remotamente, agradecer, reconhecer, recompensar e demonstrar apreciação aos trabalhadores de uma organização, melhorando assim a experiência e jornada deles. Esse tipo de atitude, quando entra para a cultura a nível rotineiro, motiva as pessoas e faz com que elas se sintam parte do time e da empresa, humanizando e estreitando as relações, além de despertar o que cada um tem de melhor.
Vão aqui algumas sugestões para líderes e RH’s:
- Elogie, parabenize, dê feedbacks positivos, deixe claro quando você gostou do trabalho de alguém, seja pessoalmente, por vídeo, áudio ou até escrito
- Ofereça benefícios flexíveis aos colaboradores
- Eventualmente, dê um dia de folga ou libere seu time uma hora (ou mais) antes do usual para descansarem ou aproveitarem um pouco mais o fim de semana
- Não faça somente calls sobre trabalho, mas também sobre a vida pessoal, happy hours e outros
- Compre um vale-presente ou envie algo surpresa (uma lembrancinha, um chocolate, algo que te lembrou essa pessoa…)
Não se limite a determinados cargos e, se possível, pense macro, para além dos colaboradores da sua empresa: nunca se esqueça do valor que trabalhadores de “colarinho azul” e autônomos têm – principalmente num contexto como o desta pandemia. Muitas dessas pessoas não tiveram o privilégio – que deveria ter sido direito – de estar em casa.
Atente-se para elas por estarem em maior vulnerabilidade e terem uma remuneração menor em nossa sociedade. Eles são, também, heróis e heroínas: as pessoas que trabalham com limpeza, com entregas, na farmácia, nos supermercados, são essenciais, correm riscos todos os dias (especialmente na pandemia) e merecem respeito, reconhecimento e recompensa.
Algumas sugestões de como apoiar:
- Doar para pessoas e projetos confiáveis
- Ajudar a arrumar trabalho caso esteja sem ou buscando outro
- Comprar de pequenos produtores
- Divulgar o trabalho dessas pessoas com responsabilidade
- Doar máscaras e outros equipamentos de proteção individual
- Pagar refeição para entregadores como forma de agradecimento
+Bônus: Dicas de filmes sobre trabalho
Por fim, selecionamos alguns documentários, vencedores de prêmios nacionais e internacionais, visando conscientizar a respeito de alguns dos diferentes tipos e realidades de trabalho existentes no país. Todos estão disponíveis online na íntegra:
Carne, Osso: Documentário alia imagens impactantes a depoimentos que caracterizam o duro cotidiano do trabalho nos frigoríficos brasileiros de abate de aves, bovinos e suínos.
Não Respire – Contém Amianto: Da mineração à construção civil, veja como milhares de trabalhadores estão expostos aos riscos do amianto.
GIG – A Uberização do Trabalho: O trabalho mediado por aplicativos e plataformas digitais cresce no mundo todo. Mas o avanço da gig economy vem despertando debates sobre a precarização e a intensificação do trabalho.